segunda-feira, 31 de outubro de 2016

(aqui vai a tua foto comendo mamão na janela)
 
fui procurar alguma coisa pra botar aqui e percebi que essa é a única, mas uniquíssima foto que tirei de você, alguns minutos antes de a gente ir embora da breve experiência de "casados" em curitiba. e já disse - um pouco na zuera, pra parecer mais interessante do que realmente sou - que morro de medo dos registros. acontece que registro tudo cada vez que te vejo fazendo qualquer coisa, porque é tão bonita que tenho vontade de dar risada. é porque vamos combinar que a gente tem muito em comum esse impulso de rir daquilo que dá medo. e acho que a gente tem medo mesmo do que é bonito, porque pode ser que a qualquer momento a gente nunca mais venha a ver. mas tenho um registro muito bonito - talvez por ele não existir de fato como registro - de nós dois tudo travado, pulando o portão da casa do joão depois que todo mundo foi dormir e indo até a praia e a gente tava lá tão pequeno e tímido e eu como sempre querendo dizer alguma coisa importante ou chegar mais perto de você, mas era tão difícil ser namorado - porque isso a gente desaprende também - e acho que isso só foi um momento muito namorado em retrospectiva, porque um clichê tão bobo como aquele mar enorme e aquele céu cheio de estrela deixando a gente lá parado sem saber o que dizer não tem como não ser um dos registros mais bonitos dessa coisa toda. e depois a gente até voltou de mão dada, por alguns segundos, porque isso talvez fosse demais. e eu tava sempre achando que alguma coisa que eu queria muito mas muito fazer talvez fosse demais. como assumir um relacionamento sério, postar uma foto tua, ou pegar na tua mão em um dia com cara de dia qualquer e por isso mesmo muito namorado em que a gente foi tomar sorvete no centro. sem querer mandar mais um clichê muito bobo porém verdade, eu poderia ficar enumerando esse tipo de registro que - absurdo dos absurdos! - a essa altura já se amontoa consideravelmente e a "coisa toda" parece que finalmente - e um pouco surpreendentemente - virou mesmo uma "coisa toda" e bem antes de tirar aquela foto de você comendo mamão na janela da minha (antiga) casa eu já sabia que as nossas vidas iam ficar tudo bagunçada, trançada tudo que nem as nossas pernas naquela foto de um domingo gostoso em que a gente curou a ressaca tomando tererê. ou quando a gente dorme, o que é um belíssimo exemplo do que gostaria de dizer: espero de verdade que as nossas vidas tudo bagunçada, trançada tudo acabem fazendo que nem as nossas pernas, que depois de um monte de movimentos mais ou menos harmoniosos acabam sempre achando uma posição confortável e você dorme serenamente, de boca aberta, meio babando e eu rio mesmo, rio da tua cara, porque acho bonita demais, e se você ficar braba de verdade é porque não entende, porque a gente nunca entende ou não acredita no amor do outro. Mas ele existe (ou é uma questão de fé, e se você ri de mim quando me declaro quase religioso, gosto de crer que é porque acha bonito, e eu entendo).

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

енсебо



a gente nunca vai se conhecer de verdade, no nível de profundidade que parecemos prestes a atingir quando ficamos acordados até tarde, tateando nossos passados na esperança de insinuar ecos de um futuro possível (virtualidade presentificada em cada gesto do meu cotidiano). 

mas juro solenemente que, por ora, passaria o resto da vida a roçar minha impenetrabilidade na sua.

domingo, 10 de abril de 2016

Ptra




Sua forma branca desenhava-se como sutil nevoeiro fantasticamente condensado...

bicyclos

uma vontade súbita: andar de bicicleta com você (admiração pelas pessoas que pedalam quase de pé, impulsionando o corpo para frente, podendo se esborrachar a qualquer momento). eu aprendi a andar de bicicleta, mas o que sei mesmo fazer é correr, longas distâncias, variando em intensidade. quem vai a toda velocidade, talvez esteja desesperado por chegar a algum lugar, ou por concluir que não há onde chegar (e isso guarda uma beleza que me é encantadora). quem corre, apenas corre, e ao saber que corre, sente-se bem, no momento em que corre e quando para, com o corpo exausto, para descansar.

#52 Fragmento de Niéjin

li em uma tábua velha
de cidade mui distante
que respirar a dois à noite
ocasiona grandes infortúnios
uma vez que pequenos seres
cinzentos e esguios
retiram por pura birra
pedaços minúsculos
de nossos órgãos
e depositam abruptamente
pelos vasos abertos
do corpo do parceiro

юль

tocar
ainda que brevemente
aquele instante único
agora irreconhecível
em que nada
absolutamente nada
poderia acontecer

o silêncio sereno
da tua caneta
a vibração ritmada
de meu desejo
por um único momento
real e absolutamente
suspenso

tocar
mover-se afinal
com a placidez exata
de quem colhe o fungo úmido
no interior das matas

anseio pelo eterno
aspiro à fantasia mas:
é sempre no ventre de cães magros
que se dão os primeiros beijos

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

72

um deslize
um encontro errado
uma quebra no contrato

tuas pernas cruzadas
meu braço pende ao lado

lá fora nos foi subitamente tudo negado
a paz cintila bicando levinha
nas palmas do acaso